Tapajós tóxico: garimpo aumenta níveis de mercúrio no rio e população adoece, diz indígenas

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Crianças brincam no Tapajós. (Foto: Pedro Ribeiro Nogueira)

Do Brasil de fato – O Rio Tapajós, um dos maiores do país, é um dos locais da região Amazônica onde a atividade garimpeira está presente há décadas. No entanto, a presença do garimpo no Tapajós está adoecendo as populações por conta de um componente químico presente na extração do ouro: mercúrio. É o que a relata a indígena Alessandra, liderança Munduruku na Aldeia Praia do Índio, à beira do rio.

“Na frente da aldeia Sawré Muybu está cheio de draga, a gente vê uma cena terrível quando eles mexem no fundo do rio, que vai puxando aquela lama velha. Cada vez contaminando o rio Tapajós”, conta.

As dragas são as embarcações usadas para remexer o fundo dos rios em busca de minerais, como ouro, principal elemento procurado na região. Alessandra relata o aumento da quantidade da embarcações no rio, apontando maior atividade garimpeira no Tapajós. Ela também conta que os efeitos do rio contaminado já são sentidos pela população da aldeia e cita maior ocorrência de abortos espontâneos e crianças indígenas com problemas de memória.

De acordo com o neurocirurgião Erik Jennings, que trabalha em Santarém e atende diretamente à população da região do Tapajós, a intoxicação acontece por conta do metilmercúrio, versão venenosa do mineral e com capacidade de atravessar a membrana celular dos organismos. Neste sentido, os peixes do Tapajós se contaminam ao se alimentar das algas do rio e assim o metilmercúrio chega até o homem. O peixe é o principal alimento das populações ribeirinhas.

“A garimpagem ilegal é uma grande vilã porque ela mexe o fundo dos rios e é isso que aumenta o nível de mercúrio. Porque a garimpagem ilegal derruba a floresta, faz crateras no solo e nessas crateras eles usam bico de jato, furam a terra com enormes mangueiras, pressão de água. Isso vai removendo o solo e colocando disponível pro meio (ambiente) o próprio mercúrio que estava ali quietinho inorgânico e não venenoso. Aí sim ele vira o metilmercúrio venenoso”, afirma.

A explicação do médico é confirmada por um estudo realizado na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em 2016. A pesquisa, de autoria da bióloga Heloísa de Moura Meneses, aponta que o solo amazonense é naturalmente composto por mercúrio. Porém, é a intervenção humana, através do garimpo, do desmatamento, das hidrelétricas e queimadas, que fazem com que haja o desequilíbrio.

Pesquisas mostram níveis intoleráveis de mercúrio no rio desde a década de 1980. (Foto: Pedro Ribeiro Nogueira)

A região do Tapajós é a que mais concentra garimpo ilegal em toda a Amazônia, segundo o coordenador de Fiscalização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), André Alamino. Ele também lamenta que as ações de combate e fiscalização são dificultadas por conta do extenso território e a dificuldade de acesso às regiões, muitas vezes alcançadas somente por helicópteros. Neste sentido, o financiamento das entidades que combatem crimes ambientais é fundamental. Alamino explica que focos de desmatamento é o principal indício de atividade garimpeira.

“A gente tem um setor de monitoramento que identifica polígonos de desmatamento, só que ele é um alerta, eu não sei exatamente o que tem lá. Então tem que fazer essa constatação de campo. Eu preciso que uma equipe física vá no local e confirme o que está acontecendo ali”, aponta.

Um recente laudo da Polícia Federal do Pará também confirma a alta presença de atividade garimpeira no Tapajós. Segundo os dados, de setembro de 2018, são lançados no rio 7 milhões de toneladas de sedimento por ano oriundos do garimpo ilegal. As informações fazem parte de uma investigação da PF sobre lavagem de dinheiro envolvendo garimpos clandestinos de ouro na bacia do Tapajós.

Consequências

Uma pesquisa feita na Universidade Federal do Pará em 2014 aponta que no município de Itaituba, no sudoeste do estado e uma das cidades alvo da operação da PF, houve um aumento na concentração média de mercúrio na população local, cujo consumo de peixe era frequente, entre 2013 e 2014. O resultado mostra um índice acima da tolerância estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 6µg de mercúrio por grama. As análises foram feitas com amostras de cabelo. Outra pesquisa, datada de 2010, também já indicava contaminação pelo mercúrio das populações ribeirinhas de Itaituba (PA).

A intoxicação do rio, um dos maiores do país, não é de hoje. Desde os anos 1980, de acordo Jennings, vários estudos já comprovavam uma quantidade mercurial acima do permitido pela OMS na população ribeirinha. No entanto, a identificação dos casos de intoxicação é difícil pela falta de preparo das equipes de saúde e também pelos poucos estudos clínicos.

“Muitas vezes as pessoas, médicos e enfermagem, podem relacionar esses sintomas de alteração de concentração, de memória, de raciocínio etc. à coisas triviais do dia a dia como ansiedade, depressão, e, principalmente, na Amazônia, ‘é porque é índio, não quer estudar, não se concentra porque é ribeirinho, não tem inteligência’. Essas pessoas podem estar passando por esses problemas e não estarem sendo diagnosticadas”, lamenta.

O doutor explica que a intoxicação por metilmercúrio é lenta e se apresenta clinicamente de forma sorrateira. Alteração de equilíbrio, coordenação e algumas dormências pelo corpo são os principais sintomas, que podem durar anos até virem outros mais graves como convulsões, rigidez, declínio grave da memória e da capacidade de raciocínio. Ele também informa que a intoxicação mercurial é irreversível e não tem cura.

Adoecimento

Entre as suspeitas de intoxicação, está o dramático exemplo do pesquisador Cássio Freire Beda. Atualmente, ele se encontra em estágio avançado da chamada Doença de Minamata, que o priva dos movimentos totais do corpo e deixa sua fala prejudicada. Beda está em São Paulo aos cuidados totais da mãe, dona Adenil.

Ela conta que o filho esteve na cidade de Itaituba em 2016 junto aos Mundurukus para desenvolver projetos com as comunidades ribeirinhas. O alto consumo de peixe proveniente do Tapajós contaminado é a principal suspeita de gatilho da doença, que começou a se manifestar logo depois da sua estada na região e evoluiu para a forma grave em menos de três anos.

A Doença de Minamata é um dos distúrbios causados pelo mercúrio no corpo humano. O nome faz referência ao episódio de intoxicação ocorrido no Japão na cidade de Minamata na década de 50, onde a população local adoeceu gravemente após consumir peixe contaminado por dejetos de uma indústria.

Perspectivas

Jennings relata que a incidência de crianças com atraso no desenvolvimento psiconeuromotor em aldeias do povo Munduruku no Tapajós é alta. No entanto, uma das razões que Alessandra Muduruku atribui ao fato de a população ribeirinha não desenvolver doenças de forma grave e aguda, como é o caso do pesquisador Cássio, é a presença da castanha do Pará na dieta da região Amazônica. A semente tem selênio em sua composição, indicado em estudos como fator protetor. A ingestão da castanha acaba sendo um dos métodos de enfrentamento encontrado pelo povo Munduruku, que tem no peixe do Tapajós sua principal fonte de alimento.

“A gente sabe que a gente está doente, a gente sabe que a gente tem índice de mercúrio dentro do corpo. Mas é a única fonte que nós temos, a gente não pode deixar de comer o peixe porque está com mercúrio. Se fosse assim, todo mundo ia morrer de fome porque a maioria depende do rio, depende do peixe para sobreviver”, desabafa Alessandra.

Em relação à atividade garimpeira, André Alamino, do ICMBio, explica que os garimpos são permitidos dentro de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), desde que de forma sustentável e regulamentada. No entanto, o cumprimento desta normativa é uma questão complexa e vai além da fiscalização e fechamento dos garimpos ilegais, já que as atividades acabam girando a economia das pequenas cidades no entorno, esquecidas pelo poder público.

“Se nessas regiões você tem uma ausência do Estado, não tem serviços de segurança, saúde, educação bem implementados, você não tem processo produtivo para gerar alternativa, você estimula a população a participar disso”, diz.

Outra dificuldade apontada por Alamino é a falta de aprofundamento nas investigações. Ele explica que muitas vezes são usados “laranjas” nas atividades garimpeiras, tornando difícil o trabalho e punição dos verdadeiros responsáveis e financiadores do garimpo ilegal de ouro no Tapajós.

 

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