“Nunca houve um caso sequer adverso de transgênicos”, diz presidente da CTNBio

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(Foto: Christian Rizzi / Arquivo Gazeta do Povo) – Lavoura de milho transgênico no entorno do Parque Nacional do Iguaçu.

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Ao longo dos últimos 30 anos, o processo científico de avaliação de cultivares transgênicas no Brasil nunca encontrou um caso sequer de efeito nocivo ao meio ambiente ou à saúde de pessoas e animais.

“Falavam muito mal, que a planta transgênica causava câncer, causava leucemia, que o milho tinha o vírus do HIV, que iriam surgir pragas transgênicas”, recorda Leandro Astarita, biólogo que preside a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Tantos anos de exames e pesquisas, analisando profundamente as plantas transgênicas e suas interações ambientais, “de baixo para cima e de cima para baixo”, enfatiza Astarita, resultaram num cenário atual de risco desprezível, próximo de zero.

“Todas as plantas aprovadas comercialmente no país passam por um critério de avaliação científico rigoroso. Elas não causam nem um dano ao ser humano e aos animais, muito menos ao meio ambiente. Nunca ocorreu um caso que chamasse a atenção. Porque no momento que ocorresse, a gente saberia rapidamente, seria notícia não nacional, mas internacional, por que seria o primeiro caso no mundo”, argumenta Astarita.

Proibição de índios cultivarem transgênicos não faz sentido

E faz algum sentido que os índios brasileiros continuem proibidos de cultivar transgênicos em suas terras, conforme legislação do primeiro governo Lula, ainda hoje em vigor?

Sem entrar no mérito político da decisão, apenas científico, o biólogo é assertivo: “O que nós avaliamos para o ser humano e o meio ambiente, vale para a terra indígena e para a não indígena. Não faz diferença para a planta. Ela vai interagir da mesma forma com o meio ambiente, com ou sem índio. A gente sabe que é inócuo, ou seja, não tem efeito no ser humano. E os índios, então, entram dentro dessa biossegurança, já que as respostas dos índios são iguais às de qualquer outro ser humano”.

Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Leandro Astarita à Gazeta do Povo, condensados para melhor entendimento.

Leandro Astarita, ao centro, é presidente da CTNBio| Foto: Laura Baggi / Divulgação MCTI
Leandro Astarita, ao centro, é presidente da CTNBio| Foto: Laura Baggi / Divulgação MCTI

O que a gente sabe hoje sobre os transgênicos que talvez não soubéssemos há dez ou vinte anos atrás?

Muita coisa mudou. Quando a gente olha pra trás, vê a década de 90, havia incerteza e desconhecimento, principalmente por parte da população. Tivemos vários avanços em termos tecnológicos. Após o sequenciamento genético de centenas de espécies, a gente conhece os genes, entendemos as interações que ocorrem entre os genes.

Sempre nos balizamos por princípios técnicos científicos acertados na avaliação de risco dessas plantas. Nós e o mundo todo. E o Brasil sempre esteve alinhado com as principais agências de risco, inclusive várias vezes fomos mais rigorosos do que outras agências. Tudo o que aprovamos até hoje, em termos de plantas geneticamente modificadas, só reforça a ideia que foram utilizados critérios seguros. Nos últimos trinta anos, até hoje nunca tivemos um caso sequer de problema diverso, algum comportamento inesperado de planta aprovada comercialmente.

Plantas transgênicas não são fecundáveis com plantas nativas

Se a gente voltar aos argumentos daquela época, temia-se a disseminação de transgenes, de uma planta para outra. O que se observou em relação a isso?

Se a gente observar a questão de avaliação de risco, um dos pontos sempre foi a possibilidade dessa planta transgênica transferir seus genes para outras plantas nativas. É um ponto que sempre nos preocupou e que demandamos bastante das empresas ou universidades sobre seus produtos. A gente observa que, de tudo que já foi aprovado comercialmente, não há nenhum impacto em termos de biodiversidade. Por quê? Porque são plantas que, em grande parte, não cruzam, não são fecundáveis pelas plantas que nós cultivamos.

As plantas que cultivamos são plantas exóticas aqui no Brasil, foram trazidas da Europa ou da Ásia pra cá. Elas têm incompatibilidade sexual, não cruzam com outras plantas nativas. Uma planta transgênica, soja, milho, algodão ou feijão, não tem capacidade de se transformar em uma praga que vai invadir o ambiente natural. Em relação à transferência de genes, a avaliação de risco é caso a caso.

Cada planta que vamos avaliar, consideramos a existência de algum parente silvestre aqui no Brasil. E a gente vai atrás pra ver a probabilidade de ocorrer a fecundação com esse parente silvestre. E mesmo sendo baixa a probabilidade de ocorrer a fecundação, ocorrendo essa fecundação, qual é o impacto da presença daquele gene em uma planta silvestre?

Transferência de genes é rara e inócua, diz Astarita

Considerando que boa parte dos transgênicos da agricultura se baseia em resistência a herbicida, essa resistência sendo expressa numa planta nativa que não está sujeita a herbicida, não tem utilidade nenhuma. Ao longo desses 25 anos ficou comprovado que realmente nós não criamos, não dispersamos nada para o ambiente silvestre. Pode ser que tenha ocorrido, talvez, no caso do milho. Principalmente quando se pensa num milho crioulo, porque afinal o milho crioulo e o cultivado são muito parecidos. Um foi melhorado e o outro parou o programa de melhoramento.

Mesmo nesses casos, a gente não vê um prejuízo da presença daquele gene, porque ele só tem utilidade para a planta quando existe, por exemplo, uma pressão de seleção. Então, a gente observa que não teve nenhum impacto ambiental das plantas transgênicas. Elas dificilmente transferem genes pra plantas silvestres, e mesmo na hipótese disso ocorrer, não há nenhum ganho pra planta silvestre. Ou seja, não há ganho algum em termos de adaptação, ela continua a mesma planta, no mesmo lugar. Assim como ela naturalmente recebe genes de outras plantas silvestres que são parentes dela, e isso não causa efeito nenhum.

Impacto em organismos não-alvo seria desprezível

E quanto aos supostos impactos negativos em organismos não-alvo? Mariposas, abelhas e insetos. Há uma preocupação em relação a isso?

Esse ponto é um ponto relativamente pacificado, porque nós já conhecemos as proteínas, já conhecemos a toxidade e os testes para humanos e animais. Quando a gente fala em meio ambiente, sempre vem a grande pergunta: já foram feitos todos os testes, com todos os organismos que vão interagir com aquela planta geneticamente notificada? A resposta é não. Não só aqui como em nenhum lugar do mundo a gente conseguiria prever todas as possíveis interações de um organismo e do meio ambiente. Por exemplo, se uma lagarta ou aranha interagir com aquela planta, o que iria acontecer especificamente? É muito difícil, porque a quantidade de animais que interagem com as plantas é muito grande. A gente não consegue testar um por um. Então a gente se baseia em cima do quê?

Quais são os organismos não alvos que estão presentes ali naquela planta? Insetos que ocorrem ali e as bactérias do solo. Entendendo a proteína transgênica, onde ela interage? Sabemos que ela interage com um determinado organismo alvo. É uma lagarta que vai comer a planta de milho e vai morrer, perfeito. Mas o pássaro que come a lagarta, ele tem algum dano ou não tem?

Não, não tem absolutamente nada. Ah, mas vocês testaram com um pássaro, e existem centenas de espécies de pássaros. Esse é o ponto. A gente testou com o pássaro que comeu a lagarta, entendemos e sabemos com segurança que probabilidade de ocorrer algo é muito baixa. Trabalhamos com as possibilidades de testar as hipóteses de risco. Existe hipótese de risco? Existe. Ela pode ser desprezível? Sim, é desprezível. Então, a gente vai focar em hipóteses de risco que têm uma probabilidade maior. E essa probabilidade maior é que a gente acaba focando e estudando.

Tamanduá que come formiga que comeu folha de planta transgênica

Alguém pode perguntar se existe uma probabilidade de risco, por exemplo, de um tamanduá ingerir uma formiga que está numa planta transgênica. Qual a probabilidade de risco para o tamanduá? É desprezível, porque a gente já testou em outros níveis, e a gente viu que não tem isso aí. Então, a gente descarta as hipóteses absurdas de risco.

Dentro dessa ótica de testar no meio ambiente, a gente foca, por exemplo, na quantidade de animais invertebrados. São animais de solo, como aranha, tatuzinho bola e bactérias de solo. Avaliamos os dados. Qual é a diversidade de animais que ocorrem nesse local? É a mesma quantidade e diversidade de animais que está ocorrendo em outro local, onde não está se plantando planta transgênica. Até hoje sempre foi igual, não tem diferença.

Então, a partir desses estudos, e mais os estudos de toxidade, expressão de proteína, alergenicidade, de impactos que possam haver, a gente tem uma segurança muito grande. Nunca a gente pode dizer zero. Porque a probabilidade nunca é zero, mas é muito próxima de zero. E até hoje se comprovou que realmente é desprezível, porque nunca ocorreu um caso que chamasse a atenção. Porque no momento que ocorrer um caso de algum impacto de uma planta transgênica diretamente sobre outras plantas que ocorrem no ambiente, a gente saberia rapidamente, seria notícia não nacional, mas internacional, por que seria o primeiro no mundo.

Em relação ao método de sempre aprovar com máximo de precaução, isso continua. Mas ao longo dessas décadas de estudo, e de evidências que foram surgindo sobre preocupações e hipóteses, dá para entender que o próprio mecanismo de transgenia, de fazer esse transplante de genes entre plantas, ele não é uma ameaça.

Medo de “monstrengos” transgênicos ficou para trás, nos anos 90

Dá para entender então que, pelo conhecimento que se tem nessas décadas de estudo, que o mecanismo de transgenia não é uma ameaça de criação de monstrengos ou de seres vivos que sejam daninhos, perniciosos para outras plantas de ocorrência natural?

Exato. Essa visão era lá da década de 90, né? Entre 95 e 2010, se pregava muita essa ótica. Ah, porque não sabemos o que vai acontecer. Não. Nós temos as nossas hipóteses de risco, a gente testa elas e vê que realmente não tem efeito.

Então, a segurança é bastante grande, em termos de impacto na vida silvestre de plantas transgênicas. Não é a planta transgênica que causa impacto, e sim, outros fatores, como desmatamento e mudanças climáticas. Eles causam muito mais dano do que a coitada da planta transgênica que a gente analisa profundamente, de baixo para cima, de cima para baixo, e suas interações ambientais. Não se comprovou, não se comprova e dificilmente se vai encontrar algum problema nas plantas transgênicas aprovadas comercialmente. Tudo o que passa pelo crivo comercial é seguro e não causa dano ao meio ambiente.

Sem entrar no mérito político e ideológico dessa questão, mas existe uma lei que proíbe o cultivo de transgênicos para agricultores indígenas, supostamente por eles estarem mais próximos da floresta. Isso faz sentido para proteger a biodiversidade?

Com índios ou não-índios, não há malefícios

Esse que é o ponto. Todas as plantas aprovadas comercialmente no país, elas passam por um critério de avaliação científico rigoroso. Elas não causam nem um dano ao ser humano e aos animais, muito menos ao meio ambiente. O meio ambiente continua o mesmo, com índio ou sem índio. Então, não faz diferença pra planta. Ela vai interagir da mesma forma com o ambiente, com índio ou sem índio. E a gente valida essa inocuidade, essa ausência de impacto no meio ambiente e na diversidade biológica.

Eu não saberia dizer por que especificamente, na época, incluíram terras indígenas na proibição de transgênicos. Havendo na beira de uma floresta uma lavoura de soja ou de milho, é o mesmo impacto com ou sem a comunidade indígena.

E essa é nossa preocupação. É com o meio ambiente. A gente sabe que é inócuo. Ou seja, não tem efeito em ser humano. Os índios então, entram dentro dessa biossegurança, já que as respostas dos índios são iguais às de qualquer outro ser humano. Plantas transgênicas não causam dano à pessoa índia, e a gente sabe que também não causa dano ao meio ambiente.

Em 2007 (ano de aprovação da lei), nós tínhamos uma desconfiança maior na transgenia, apesar de cientificamente sabermos da segurança. De uma forma geral, para a população era tudo muito novo, se desconfiava, se falava muito mal, que planta transgênica causava câncer, causava leucemia, que o milho tinha o vírus do HIV. Falavam que iam surgir pragas transgênicas. Acho que dentro dessa precaução, que existia na época, se resolveu dar algum nível de proteção para uma comunidade tradicional.

Mas em termo de biossegurança, o que nós avaliamos para ser humano e para o meio ambiente, vale pra terra indígena e pra terra que não é indígena.

Insulina transgênica salvou milhões de vidas

A produção de insulina transgênica é um bom exemplo para desmistificar o assunto?

Lembro que na época, década de 2000, eu sempre usava o exemplo da insulina. Se a gente não tivesse feito uma transformação genética que expressasse o gene da insulina humana, provavelmente teríamos uma quantidade gigantesca de pessoas diabéticas que não conseguiriam viver. Já estariam mortas e condenadas. Nas décadas de 70 e 80, o diabetes era quase uma condenação à morte. E graças à tecnologia, quando a gente observa as vacinas da SARS-CoV-2, da Covid-19, também graças à tecnologia moderna, à biologia moderna, a gente conseguiu resolver o problema.

Eu vejo que é uma ferramenta. E talvez a grande crítica é que os primeiros produtos eram baseados muitos em temos de herbicidas. E daí sempre se relacionou a multinacionais, herbicidas, agrotóxicos, transgenia. Mas na verdade a gente tem plantas resistentes a estresse hídrico. Isso é maravilhoso, você consegue ter menos impacto de variação de clima. Consegue ter plantas com uma estatura um pouco menor, que evitam o acabamento, o vento que vai dobrar a planta na lavoura. Plantas que resistem a vírus, fungos, isso é ótimo. Naturalmente, ou seja, a partir da biotecnologia, essas plantas agora são resistentes a doenças. Menos perdas, menos uso de fungicidas, menos uso de inseticidas.

A grande questão é tentar desvincular essa imagem que se tem de plantas transgênicas, que se fez lá na década de 90, no início da década de 2000, relacionada a agrotóxicos e multinacionais. É uma ferramenta que é muito mais que isso. Na hora que se fala de mudanças climáticas, é uma baita ferramenta para conseguir manter produtividade e alimentar as pessoas, sem ter grandes perdas na agricultura.

 

Fonte: Marcos Tosi – Gazeta do Povo e Publicado Por: https://www.adeciopiran.com.br em 03/12/2024/16:00:38
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