O neurologista Rogério Tuma (à esquerda) ao lado do médico de Lula, Roberto Kalil Filho — Foto: Maria Isabel Oliveira / O Globo
Apesar da posição do então delegado e futuro senador, petista entende que recebeu tratamento digno por parte do pai do médico à época
Entre os médicos que prestam atendimento diário no Hospital Sírio-Libanês está um neurologista com feições e sobrenome conhecidos há décadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Rogério Tuma, que inclusive participou de entrevistas coletivas para explicar o estado de saúde e a operação a que o presidente da República foi submetido esta semana, é filho do ex-senador Romeu Tuma.
O político paulista nasceu em 1931 e morreu em 2010, aos 79 anos, quando exercia o segundo mandato de senador e estava filiado ao PTB. Deixou quatro filhos, entre eles o médico Rogério. O GLOBO procurou o neurologista neste sábado e perguntou se ele havia conversado com o presidente sobre esse fato curioso em meio aos atendimentos, mas não obteve resposta.
A assessoria de Lula também não informou de quem partiu a escolha — se do presidente, do cardiologista Roberto Kalil Filho, chefe da junta médica, ou do Hospital Sírio-Libanês — , mas o GLOBO recebeu a informação do próprio Kalil de que ele, de fato, é quem define e coordena a equipe de atendimento.
Os dois, Lula e Romeu, se conheceram na década de 1970, quando o petista era líder sindical e organizava greves no ABC paulista. O delegado de polícia chefiou a unidade paulista do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos principais órgãos de repressão da ditadura militar, entre 1977 e 1982. Entre as suas funções estava a de investigar essas mesmas greves.
Em 17 de abril de 1980, o metalúrgico foi preso, acusado de subversão. Enquadrado pela Lei de Segurança Nacional, foi encaminhado ao Dops e soube pelo rádio que a notícia se tornara pública. Ficou preso por 31 dias, mas não foi torturado e prestou depoimentos por escrito, segundo contou à Comissão Nacional da Verdade.
Apesar da posição do delegado, Lula entende que recebeu tratamento digno por parte de Tuma na época. Ele foi autorizado, por exemplo, a deixar a prisão algumas vezes para visitar a mãe, Dona Lindu, que estava doente e veio a morrer em maio daquele ano. O petista também já relatou que tinha acesso a rádio e jornais e que pôde assistir a jogos do Corinthians pela televisão enquanto estava detido.
Com a extinção do Dops em 1983, o delegado passou a exercer o cargo de superintendente da Polícia Federal em São Paulo e depois de diretor-geral da corporação, nomeado pelo presidente José Sarney e pelo ministro da Justiça, Fernando Lyra. O grupo “Tortura Nunca Mais” reclamou da indicação na época, acusando-o de ser “um nome reconhecidamente ligado à repressão social e política”, ainda que não se tenha comprovado uma ligação direta entre o delegado e os abusos cometidos contra civis.
Entre as investigações que Tuma chefiou na época estão as do assassinato do ativista ambiental Chico Mendes e o sequestro do empresário Abílio Diniz, caso este que tem como polêmica adicional a possibilidade de ter influenciado nas eleições vencidas por Fernando Collor contra Lula, em 1989. O grupo de criminosos era formado por militantes do Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR), do Chile, mas a polícia apresentou, na véspera da votação, camisetas do PT e materiais de campanha de Lula que supostamente teriam sido encontrados no cativeiro.
Após passagem como secretário da Receita Federal no governo Collor, foi demitido da Polícia Federal pelo governo Itamar Franco, que assumiu com o impeachment do alagoano. Retornou, então, aos quadros da Polícia Civil e virou assessor do governador Luiz Antônio Fleury Filho (MDB), em 1993. No ano seguinte, disputou e venceu uma das duas vagas ao Senado pelo estado de São Paulo, pelo PL. Passou por PSL e PFL, perdeu as eleições para a prefeitura de São Paulo em 2000, apoiando Marta Suplicy (PT) no segundo turno, e foi reeleito senador dois anos depois.
Nesse meio tempo, o sindicalista do ABC ajudou o PT a se firmar como um partido de expressão nacional e chegou à presidência da República, sucedendo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2002.
Ao ingressar no PTB, em 2007, Tuma passou a fazer parte da base aliada de Lula, que estava em seu segundo mandato e tinha grande popularidade. Nessa época, outro de seus filhos, o ex-deputado estadual Romeu Tuma Júnior, tornou-se secretário nacional de Segurança. Júnior entrou em conflito com o governo e foi demitido, estremecendo novamente a relação.
Prestes a concorrer novamente ao Senado, em 2010, Romeu Tuma passou a sofrer com um quadro infeccioso e depois com problemas de insuficiência cardíaca. Ele morreu no mesmo Hospital Sírio-Libanês, onde era atendido pelo filho médico, que ficou abalado com o episódio. O presidente Lula lamentou a perda e, em nota divulgada pelo Palácio do Planalto, disse que o ex-senador “dedicou grande parte da vida à causa pública, atuando de forma coerente com a visão que tinha do mundo e, por isso, merece o reconhecimento e o respeito dos brasileiros”.
No velório, Reskalla Tuma, o irmão mais velho do ex-senador, disse que ele tinha sido “amigo do Médici e também do Lula”, segundo informações dos jornais. Falava, para além do petista, em Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar no Brasil.
Fonte: Samuel Lima — São Paulo e Publicado Por: https://www.adeciopiran.com.br em 16/12/2024/17:00:38
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